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 É engraçado como no meio de toda esta vaga de filmes de super-heróis nos últimos tempos, Portugal continua com uma forte lacuna na área. Não me entendam mal, existem várias BDs da nossa autoria, mas não existe nenhum herói que seja mainstream, que seja imediatamente reconhecível pelo povo.


Ok, fair enough
 Sempre pensei que devia de existir um "Capitão" de cada país. Se há o Captain America e o Captain Britain, porque não há o Capitão Portugal?


 Provavelmente porque o nome é horrível.

 Mas felizmente houve quem tenha pensado de forma parecida. Alguém levou aos nossos cinemas uma lenda que viria fabricar figuras de acção para os nossos netos fazerem barulho na sala de estar mesmo aos 80 minutos da final da taça.



João Leitão apresenta-nos Capitão Falcão, a história de um português mais português do que os portugueses. Por um lado, a história de um herói que faz tudo em seu poder para livrar a nossa querida pátria de um mal horrendo: o comunismo. Por outro lado, a história de um herói que sempre foi herói.Um português com bigode, porra!

 O filme segue todo um arco tipico onde o nosso herói começa um treino para se tornar numa lenda, ser o melhor no que faz até o desafio provar ser demasiado grande para o Capitão e redescobrir quem ele é e o que é esperado que seja. Portanto, a história do Batman, com a diferença de Falcão, na verdade, ser melhor que o Bruce Wayne pois apresenta de imediato uma postura exemplar na sua época de treino. De certo que Falcão que nasceu com a mão na testa a amar a pátria e a chorar o hino.

 E amar a pátria é o que Capitão Falcão é. Falcão tem claramente uma preferência política mas algo me diz que fosse quem fosse que estivesse no comando da nação, Falcão iria considerar como um pai. Este orgulho nacional acaba por ser a mensagem do filme. Não que devemos amar Salazar, mas numa altura em que os portugueses vivem numa colónia alemã devemos pegar naquilo que é nosso e defender com orgulho! Mesmo que eu não goste nada de bacalhau cozido com couve! Perdoe-me Capitão pois eu falhei!

 Porém, se por um lado o Capitão nos exemplifica com o amor à pátria que devemos ter, o filme também nos mostra que não devemos ser cegos pela nossa escolha política e hábitos culturais, mesmo que a personagem assim seja. O melhor exemplo que posso dar é a forma como o Capitão vê as mulheres que não podia ser mais machista. Tudo isto é feito com humor cuidado e é uma clara crítica à ignorância da época (...e ainda nos dias que correm), o que acaba por, ironicamente, ajudar o carácter do Capitão pois embora o facto de ser tão perfeito no seu trabalho proporcione momentos hilariantes, esta sua linha mais acinzentada traz um humor "Parker-Stoniano" nos momentos certos para não correr o risco de se tornar insonso.

 Falando então na comédia, bato as palmas a Gonçalo Waddington que não só corresponde com a postura perfeita para a personagem como todos os seus timings e deliverys são impecáveis. Infelizmente, acho que aqui quem peca é o filme em si pois há várias cenas em que há todo um build-up a uma piada e quando esta não resulta tão bem, a extensão da cena não deixa a piada morrer e passar a outra, tornando assim um momento mais fraco. São várias as cenas que sofrem deste efeito mas não é, de todo, o suficiente para estragar o filme. Há piadas que genuinamente me fizeram rir no cinema com a minha favorita a envolver o Puto Perdiz que volta a repetir-se mais à frente de forma ainda melhor acabando por ser a minha piada favorita. Honestamente, foi inteligente não terem abusado da piada quando chegaram ao pico desta, mas parte de mim não se cansaria de continuar a ver ao longo do filme.

 Se eu pensei que Portugal devia ter um capitão super-herói, mais recentemente pensei que era possível haver um universo partilhado ao estilo Marvel. Pensei num outro herói que facilmente se encaixaria neste filme e não é que realmente fizeram um cameo? Foi também essa aparição que acabou por salvar a pior parte do filme pois embora eu entenda o propósito que tem para o tal arco de desenvolvimento, todo o acontecimento ao Capitão corta o ritmo do filme e mesmo com algumas piadas bem sucedidas pelo meio, o filme começa a morrer. Felizmente, quando o filme recupera, é uma recuperação imediata graças ao entusiasmo de Gonçalo Waddington.

 Eu referi há pouco o Batman (sejamos honestos, eu também encontro qualquer desculpa para referir o Batman) mas não foi por acaso (em principio) pois uma das fontes de inspiração há-de ter sido certamente o Batman de Adam West no que toca à siliness do filme, quer na interacção com o parceiro,no papel que Salazar tem no filme, na projecção do cenário durante o uso de veículos e, claro, as fantásticas transições. As lutas não têm o clássico "Wham!" no ecrã, ao invés disso, a inspiração aqui passa a ser o Green Hornet com o parceiro asiático a ser um lutador absolutamente fantástico. É dado a entender que o Capitão é bem capaz de se defender e na vasta maioria dos casos é capaz de resolver tudo sozinho, mas o seu aprendiz é claramente mais competente a lutar. E as lutas são realmente uma enorme surpresa no filme. Uma autêntica lição a filmes de Hollywood que disfarçam as lutas com excessivos tremores de câmara e cortes dentro de cortes. Aqui João Leitão apercebe-se do potencial de trabalhar com actores que sabem lutar na vida real e tira o máximo do proveito deixando que o baile da luta fale por si, havendo coreografias fantásticas. Há actores que também sabemos que jamais seriam capazes de efectuar certas manobras mas também o trabalho dos duplos está de parabéns pois está tudo muito bem disfarçado.



 Nota-se perfeitamente que o filme foi feito com imensa dedicação, desde o casting à direcção de arte que consegue nos levar à época em muitas das cenas. Há que adorar o uniforme do Puto Perdiz.

 Capitão Falcão é um filme que, embora não seja perfeito, traz algo de diferente para a nossa cultura nacional. Mais importante, traz algo feito com cabeça, algo que sabe o que é e o que é, é bom. Portanto, é o completo oposto da merda do Sei Lá.

Nem tudo resulta, sendo o pacing em certos momentos o seu maior pecado e a história ao ter um desenvolvimento bastante característico do género de super-herói, é bom pela graça às referências e diversão com o género e mau pela previsibilidade do rumo geral da história, não deixando de haver, ainda assim, várias surpresas. Mas é a primeira vez que durante um visionamento de um filme português eu penso "Quero mostrar isto a amigos meus e quero comprar o DVD". Não há de ser certamente um estilo de humor para todos mas não deixo de recomendar que assistam ao Capitão Falcão pois é um bom bocado e é bem passado. Oxalá haja sequela, especialmente com o que acontece depois dos créditos. Não é o Samuel L. Jackson a aparecer mas também é sexy.


 Termino assim o texto a dizer: A cena do jantar de família é, em toda a sua execução, absolutamente genial.

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