Vai ser um bocado complicado eu falar deste filme pois vou dar a minha perspectiva de... vamos dizer adulto... bem como a minha perspectiva de criança onde sou maioritariamente cego por nostalgia.
A adaptação americana por parte da TriStar do famoso monstro da Toho, Godzilla, uma das maiores lendas japonesas, era visto como uma aposta certa que certamente daria um tremendo sucesso. Já na altura Hollywood planeava uma trilogia antes se quer da estreia. Mas isso era antes, hoje em dia planeia-se logo 6 filmes do Homem-Aranha e depois pensa-se na história. É bom ver que se aprende com os erros.
Godzilla é largamente aceite como um dos maiores flops na história dos blockbusters americanos. Não que tenham perdido dinheiro com o filme mas dizer que foi uma decepção é ser simpático à coisa. Teve um tremendo sucesso na primeira semana e deu-se bem o suficiente pelos outros cantos do mundo. Porém, tal foi devido ao excelente marketing. Uma rara táctica em que tendo a tagline e tema de O Tamanho Importa, ironicamente levaram a campanha com um "menos é mais", dando dicas sobre o tamanho enorme da criatura mas nunca mostrando realmente quão grande era. Havia autocarros que diziam "A pata dele é tão grande como este autocarro", entre outros.
"Também pensámos em pôr nos Smarts {O Olho dele é maior do que este carro} mas achámos que não iriamos superar a campanha da Sapo.pt" |
Infelizmente, também a campanha arruinou o filme pois as cadeias de fast-food não souberam estar quietas e revelaram o monstro nos anúncios ao mostrarem os brindes decepcionantes. Na verdade havia uns que vinham com os cereais que eram porreiros, aquecia-se a imagem com as mãos e ela mudava.
Oh, e se acham que os fãs ficaram fulos (nunca acontece) deviam ter visto os japoneses. A Toho lançou em 2004 o Godzilla: Final Wars em que o Godzilla original dá cabo do Godzilla americano em um mero minuto. Curiosamente, passou a ser oficialmente apelidado de Zilla pois os japoneses disseram que a versão americana além de ofensiva à criatura tirou também o God ao Godzilla, não passando de um lagarto.
Mas tentando dar uma oportunidade e aceitando o filme como é, de uma ponta à outra, é o filme assim TÃO mau?
Epa, é.
Mas eu defendo que tem coisas boas.
Em primeiro lugar, e talvez o mais importante, deu a conhecer o Godzilla ao mundo. Na verdade, o mítico monstro já existia desde os anos 50. O que eu quero dizer é que embora houvesse bastante gente que conhecia fora do Japão, graças a figuras de acção e a desenhos animados como o da Hanna-Barbera, bem como o lançamento de alguns filmes para o ocidente, a verdade é que ainda era um gosto pertencente a um nicho. Com um blockbuster americano, a juntar à popularidade do Jurassic Park na mesma década (mais sobre isso à frente, ahem), o nome tornou-se cada vez mais popular. Quem não o conhecia antes, passou a vê-lo por todo lado. Quem gostou, ou não, ao explorar descobriu a existência de dezenas de filmes que possivelmente não conhecia antes, além de o comércio destes se ter alargado.
Ainda hoje acontece este fenómeno. Mesmo com uma quantidade significativa de filmes com monstros gigantes, só hoje, graças a Pacific Rim, é que uma boa parte sabe o que significa o termo Kaiju.
To be fair, já era um termo popular nos nossos mercados. |
Como aliás sempre foi costume. |
Então se no geral as pessoas não conheciam propriamente os mitos do Godzilla além de ser um dinossauro gigante com umas coisas nas costas, porque é que o filme fracassou em lançar uma nova trilogia, como era planeado?
Porque a regra número 2 do cinema dita o seguinte:
" Independentemente de um filme seguir ou não à risca uma obra sobre a qual este adapta, é preciso que o filme não seja, antes de mais, uma merda."
Vamos esquecer por momentos o facto de o Godzilla não ser o Godzilla. Qual é o pior aspecto do filme? O mesmo que muitos do género: os humanos.
É verdade, aquilo que mais se queixam nos filmes dos Transformers, à parte de 99% de tudo o resto (que Deus te abençoe todo o corpo Peter Cullen), já foi mais que feito em filmes anteriores. E nunca, nunca, aprenderam.
Hollywood... eu percebo que queiras tornar a história mais pessoal e que seja mais fácil de me relacionar ao pores uma família americana que vence tudo graças ao poder do amor. Mas repara, quando eu vejo estes posters:
Eu não estou a pagar 6€ ou mais para ver isto:
E sim, esta imagem ficou agora nos arquivos do CINE31. É só para verem o tipo de qualidade que eu trago a este espaço. |
Neste caso, quando penso em Godzilla não penso nas aventuras do Inspector Gadget a dar-se bem com uma jornalista mais cabra que a Manuela Moura Guedes só porque o Mr. Burns não acredita nela enquanto que o nosso herói Bueller é ajudado do nada pelo Leon que passa pela segurança militar imitando o Elvis Presley enquanto o Moe Szyslak tenta filmar tudo. Ah, e há uma osga que coiso.
A história é parva, as personagens têm a incrível personalidade de uma estante Billy (mas sem o carisma) e a resolução do casal romântico tem maior destaque no final do que o corpo do Godzilla. Sim, o corpo do Godzilla. Ele morre no seu primeiro filme. Com um punhado de jets. Eh, o problema não era a sua invencibilidade, só tínhamos que treinar a pontaria dos nossos pilotos.
Vêem no que dá deixar passar inaptos como este? Raios te partam Ben, quando é que nos provas que és capaz de fazer algo bem? Em 2016? |
Sim.
É aqui que vem a parte do Jurassic Park.
Mas e as cenas fora do casal romântico? O Zilla em si?
Atirem-me as pedras que quiserem... mas eu adoro o design.
Eu sei, eu sei, tirando as costas nada se assemelha ao design original. Este é inspirado numa iguana (tal como a origem no filme). Desculpem-me fanáticos mas gosto dos dois estilos, mesmo considerando que a ideia tenha sido usar um design mais realista. Porque, como nós sabemos, dinossauros que cospem fogo são o pico da realidade.
Mas além do design, a própria criatura tem problemas. O seu começo é fantástico, vai aparecendo e revelando-se aos poucos enquanto vemos a destruição que provoca até eventualmente vermos todo o corpo. Isso é brilhante. O que não é brilhante é o CGI que é do mais inconsistente que já vi, mesmo para a altura havia pormenores que já notava, em criança, serem fracos.
Óptimo |
Se não vos parecer muito mau, em movimento rivaliza o Crazy Frog |
Também se nota inconsistência no seu tamanho. Isto para não falar na inconsistência usual de os heróis sobreviverem a tudo.
Spoilers: safam-se! |
Safam-se de tantas situações impossíveis, incluindo a cena em que estão dentro DA BOCA... sem grandes dificuldades. A cena pede tanto favor ao espectador para se manter sentado que eu e o meu vizinho amigo dissemos: "Quando for grande quero ser um taxi". Possivelmente a origem do meu sarcasmo. Ah, eramos mais felizes naquela altura. Eventualmente, além da planeada trilogia do Godzilla Hollywood lançou um spin-of desta fantástica perseguição:
Finalmente arranjei um propósito para poder comentar o quão parvo é este poster. |
A partir do momento em que começas a falar do Jimmy Fallon, sabes que é hora de resumir:
Eu considero que este Godzilla sofre do mesmo caso que os filmes Resident Evil: Tira-se o nome e o filme torna-se fantástico. Continuaria a ser fraquinho pois os humanos são tão inúteis que nos obrigam a passar à frente até à cena em que o Godzilla come peixe. Acho que é só até aí, depois já se pode tirar o DVD. Mas honestamente, eu acho que tinha potencial para ser um clássico. Eu adoro o design e a forma como se move. Apesar do CGI não ter resultado em inúmeras cenas, eu acho um monstro fantástico. Na primeira vez que se vê o filme o seu aparecimento mete respeito. O problema é que também na primeira vez que se vê o filme perde-se o respeito. Mas acho que poucos possam negar que o suspense é muito bem conseguido ao início e tem umas quantas cenas de acção impressionantes. No entanto, sejamos honestos, o filme como um todo não resulta. Ainda assim, o facto de ser tão parvo faz com que ganhe uma descontração quanto à sua visualização, perfeito para um domingo à tarde na TVI, na altura em que os 4 (bem, 2) canais não passavam 3 em 3 segundos a pedincharem para ligarmos para o 760-Qualquer-Coisa. Se bem que não é do interesse de nenhum realizador ter o seu filme a passar na TVI.
Acredito que seja um guilty-pleasure de muita gente. Pelo menos para mim é, mesmo vendo hoje em dia. Tem um charme "silly" à Roland Emmerich e acabou por lhe resultar a favor. Pode não vir a ser re-lançado pela Criterion mas é um pequeno pedaço de cultura-pop da altura, goste-se ou não do filme. E como disse, empurrou, pelo bem e pelo mal, o nosso monstro favorito para uma maior audiência.
Felizmente, tal como Judge Dredd que teve o seu reboot fantástico: