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O que era da literatura mundial sem a contribuição dos autores russos? Não sei, mas seria certamente muito mais pobre. Poucos são aqueles que conseguem descrever a guerra, a pobreza, o amor, a religião e a morte como os russos.
Anna Karenina - o famoso romance escrito por Tolstoi já foi representado em Teatro, no Ballet, em Ópera e é claro em Cinema. Será sempre uma história eterna e as adaptações serão sempre apetecíveis às mentes mais criativas.
A crítica não tem sido muito simpática para Joe Wright e Tom Stoppard no que à adaptação da obra literária diz respeito.
This multilayered movie is not your average Tolstoy adaptation.
Rafer Guzman
Newsday
The theatrical artificiality constantly upstages the Tolstoy tragedy, which turns this production into an endlessly annoying experimental film.
Phil Hall
Film Threat
The film thrusts Wright into the role of puppeteer and tries to turn Anna into some sort of contemporary feminist heroine.
Todd Jorgenson
Cinemalogue.com
Who's for 130 minutes of alienation?...We're able to intellectualize why we should care (those social strictures are crushing hearts!), but we're too distracted to be moved.
Peter Canavese
Groucho Reviews
Discordo.
Em Anna Karenina de Wright encontramos os temas centrais - aqueles que Tolstoi escreveu: o ciúme, a fé (ortodoxa / cristã), a fidelidade, a família, o casamento, a sociedade, a política, o progresso, o desejo, o campo, a cidade e a paixão. Sim, elementos totalmente estilizados e adaptados ao século XXI - mas presentes. Tal como o realizador, não devemos ser alheios a duas palavras que tanto caracterizam a actualidade – a adaptabilidade e o evolucionismo.
É claro que aqueles que pouco conhecem a história do Império Russo dificilmente percebem Anna Karenina - o livro ou o filme. Felizmente para nós, Wright percebeu e capturou bem a realidade dentro da realidade. Falamos da Rússia de 1800, falamos de um Império (e não de um reino) com cerca de 22,400,000 km2 – e e que se estendia da Europa do Leste, à Ásia e América do Norte: (obrigado Wikipédia).
Um império caracterizado pela famosa rigidez educacional e social russa, mergulhada em cenários de ostentação, de luxo, de arte, de música, de literatura, de dança. De valores intrínsecos àquilo que - ainda hoje - caracteriza o que é ser russo.
O filme é um teatro dentro do teatro, um bailado dentro de um bailado, uma ópera dentro de uma ópera – sim, literalmente. A maioria das cenas ocorrem num teatro e nos bastidores deste. Não há tempo perdido com mudanças de planos ou cenários. As cenas seguem-se a uma rapidez estrondosa, sem que se perca tempo ou ritmo. Tudo isto envolto com a música certa, os sons certos, cenários românticos, pinturas de parede e ornamentações de um barroco absolutamente gritante. A gastronomia, as vestes, as bijuterias, tudo é mostrado num desfile de bom gosto – que demora a ser assimilado pelo espectador, mas que provoca uns primeiros 15 minutos de puro orgasmo visual àqueles que têm a mente aberta à arte.
É este exagero do visual que provoca uma ausência de meios termos neste filme que junta Keira Knightley e Joe Wright uma terceira vez, numa terceira adaptação literária e numa terceira abordagem histórica. Acredito piamente que este é um daqueles filmes que ou entra no patamar do amor ou no do ódio. Não permite meios termos.
Tom Stoppard usa sabiamente a história de amor escrita por Tolstoi. Depois da cortina levantada, chegamos à Rússia do século XIX. Mergulhamos nos meandros da alta sociedade e aristocracia russa.
Tom Stoppard usa sabiamente a história de amor escrita por Tolstoi. Depois da cortina levantada, chegamos à Rússia do século XIX. Mergulhamos nos meandros da alta sociedade e aristocracia russa.
Conhecemos a família Oblonsky. A senhora Dolly Oblonsky descobre que o marido tem uma amante - a ama dos filhos. Anna Karenina (irmã do Sr. Oblonsky e mulher do ministro Karenin) viaja até Moscovo para tentar que o irmão e a cunhada se reconciliem, fazendo com que Dolly desista de um divórcio.
E assim de mão beijada, somos "bombardeados" - com o progresso (implícito na viagem de comboio e na "empresa regida a velocidade de relógio" de Oblonsky e com os valores implícitos ao termo família.
E é no comboio que Anna conhece o Conde Alexis Vronsky. A empatia entre ambos é imediata e é reforçada quando Vronsky ajuda monetariamente a família de um guarda ferroviário que sofre um acidente mortal na estação de comboios.
Aparece no enredo - associado à família Oblonsky - um amigo, Constantine Levin. Levin que é um proprietário rural, desajeitado, dono de um coração grande e generoso. Abdica de um cargo no governo local - por não aceitar, nem perceber as questões burocráticas e de forma a poder dedicar-se de corpo e alma à agricultura e às suas propriedades (é uma figura central no livro e de forma discreta também o é no filme - sobretudo pelos valores que transmite e pela ponte entre a personagem e o próprio Tolstoi). Procura o amor da cunhada de Oblonsky, Kitty Shcherbatskaya que era por sua vez enamorada por Alexis Vronsky, rejeitando assim, as investidas sinceras de Levin.
Num ostentoso baile, Kitty e os restantes presentes reparam que o Conde está distraído e desatento - a causa - Anna Karenina. Os dois não resistem ao contacto físico e dançam uma valsa apaixonada e pública. No livro Kitty Shcherbatskaya tem um destaque maior do que o filme lhe dá. No livro a desilusão amorosa, provoca-lhe doenças físicas e mentais, mas no filme isso é ocultado.
Num ostentoso baile, Kitty e os restantes presentes reparam que o Conde está distraído e desatento - a causa - Anna Karenina. Os dois não resistem ao contacto físico e dançam uma valsa apaixonada e pública. No livro Kitty Shcherbatskaya tem um destaque maior do que o filme lhe dá. No livro a desilusão amorosa, provoca-lhe doenças físicas e mentais, mas no filme isso é ocultado.
Anna volta a São Petersburgo. E o Conde Vronsky também - argumentando que a distância entre ambos é impossível. A cidade torna-se pequena para os dois. Passam a cruzar-se em bailes, óperas, festas. A relação torna-se física e a incapacidade de manterem distância um do outro, faz com que a relação se torne pública e badalada entre a alta sociedade. Karenin, o marido de Anna é um homem de carreira, preocupado com aparências, e depois de ouvir os rumores, confronta Anna - que nada desmente. São Petersburgo assiste de plateia ao desenlace do romance entre os amantes e ao escândalo que ele acarreta. Depois de vários e rápidos acontecimentos, do amor entre ambos surge uma gravidez que Anna não esconde do marido.
Karenin desiludido, mas conformado com tudo, tenta proporcionar a Anna um regresso ao ambiente familiar e às aparências. Mas Karenina não resiste ao amor que sente pelo Conde. No entanto, a decadência, a loucura, a dependência da morfina, afasta Anna de Vronsky, dos filhos, do marido e dos meandros abastados que a alta sociedade lhe oferecia. A humilhação, a repulsa e o encantamento de Alexis Vronsky por uma jovem bonita de alta posição, faz com que Anna ponha fim à sua própria vida.
Constantine Levin volta a declarar-se a Kitty e esta aceita-o... num dos momentos mais sensíveis e reveladores do filme, sobretudo pela humanidade que caracteriza os momentos que o casal vai partilhar no enredo.
O filme não é tão intenso como o livro - dificilmente o seria. Tolstoi é Tolstoi e é para ser lido, não visto. A adaptação fiel não é claramente a intenção de Joe Wright. Mas o filme consegue expor os personagens, os seus dilemas passados e as suas angustias futuras. Os padrões e valores de Tolstoi estão presentes - a família, o casamento, o compromisso. A ideia de que as uniões baseadas em sexo são falíveis e insuficientes.
Keira Knightley é deslumbrante. Bonita de uma forma simples, vestida e ornamentada de forma quase mágica - Jacqueline Durran merece ser reconhecida pelo seu trabalho no guarda-roupa do filme. A luz e as sombras com que Knightley é filmada tornam-na digna de estatuto de musa pintada num quadro dos mestres. A fotografia é arrematadora. Os sons, a música, os cenários são pensados ao mais ínfimo detalhe.
Jude Law com uma sólida interpretação - um bom russo. E depois de Savages, a confirmação de que ainda vamos ouvir falar muito de Aaron Taylor-Johnson.
Tal como no livro, Karenina é a figura central, mas Levin é o herói. Ela é o simbolo da urbanidade, do modernismo e da luxuria, ele o fruto da Rússia pura - símbolo de esforço, trabalho e de recompensa digna. Um depende da propriedade, o outro da sociedade. Ambos procuram o amor, mas divergem na forma de o alcançar.
Seja em livro ou em filme, Anna Karenina é um clássico universal e intemporal.
Os Russos são realmente uma força da natureza na literatura.
Gostei do trailer do filme, a ver se para a semana o vejo :)
Isto tem um aspecto incrível, mas... enfim, vamos ver.
como és um rapaz dado às artes, aposto que vais simpatizar com o filme
Podes matar-me a seguir... mas vai ver em cinema
aguardo as vossas opiniões com expectativa
Concordo contigo. Este Anna Karenina vem comprovar que Joe Wright é um realizador que sabe bem o que faz, sabe ser autêntico e distinto. A adaptação pareceu-me conseguida (ainda que não tenha lido o livro), num argumento que apesar de tudo podia ter sido mais profundo, mas o real valor do filme, na minha opinião, estará sempre na abordagem, na forma de filmar e montar cena após cena. Muito bom, mesmo. Há por ali sequências de bradar ao céus.
No fim gostei bastante. Palavra de apreço a Keira pela bela interpretação e para ti Sofia, pela bela crítica :)
Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo
Obrigado Jorge.
Percebo o que dizes sobre o "aprofundar o argumento", mas quase que aposto que se Wright fosse fiel ao livro, e seguisse a profunda intensidade literária de Tolstoi, grande parte do público não ia conseguir ver o filme até ao fim. Iria ser demasiado "maçudo". Joe neste filme fez ballet, fez um quadro de Monet ou Millet, usou uma estética barroca e fez como bem escreveste "sequências de bradar ao céus"
um beijinho