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Este texto é sobre o filme American Movie mas também acaba por ser sobre algo mais.

 Há uma cambada de anos eu ouvi falar sobre este filme e despertou-me logo o interesse. Eu estava tão seguro que o iria adorar que até esperei pelos meus já longínquos 18 anos para o ver... de forma a tornar o meu dia de anos inesquecível ou algo assim.. e foi, passei a manhã num museu de geologia. Há algo de espectacular em observar os minerais de perto.

 American Movie trata-se de um documentário sobre Mark Borchardt e a sua determinação, bem como as suas dificuldades, em fazer um filme. E não estamos aqui a falar de um realizador que tem de lidar com as travessuras dos produtores, da arrogância dos actores principais ou de ter que terminar o filme antes da data por alguma razão. Não, é só um homem que quer fazer um filme e não tem mais nenhuma ajuda a não ser dos seus amigos, familiares e meia dúzia de extras locais que lá conseguiu com um pequeno contracto.



 Para quem está a ler isto, este que vos escreve também faz as suas pequenas filmagens. Na verdade, fazer filmes é a minha segunda grande paixão (a primeira é uma certa pessoa). Eu não vou estar aqui a fazer auto-promoção, não é disso que eu quero falar nem é se quer isso que me importa, só estou a mencionar porque consigo relacionar-me imenso com tudo o que se passa neste filme e mesmo sendo um miserável comparando a outros tantos companheiros da mesma área e tão melhores que eu, gostava de partilhar a minha perspectiva, ainda de jovem experiência, sobre o que este filme fala pois é realmente algo especial para mim. Sinto que estou a fazer batota, vieram para aqui para ler uma crítica sobre o filme e estou a fazer uma análise pessoal mas que me perdoem, é algo que quero fazer neste momento. Por outro lado, por ser um documentário sobre pessoas e histórias reais parece-me desinteressante falar da fotografia ou essas coisas todas que finjo perceber à frente dos outros.

 Penso que não é segredo para ninguém... fazer filmes é difícil. Mas na realidade é mais do que isso. Fazer filmes é muito, mesmo muito difícil. E é ingrato. E dá cabo de todos os que se envolverem. Há momentos muito felizes, seja de erros, seja de quando paramos e nos apercebemos das figuras ridículas que estamos a fazer, seja da generosidade de um público que inexplicavelmente achou piada ao que fizemos ou seja, o que para mim é sempre a melhor parte em qualquer filme, quando a equipa se encosta e vê tudo o que fez durante tanto tempo e no que resultou. Tudo acabou por finalmente fazer sentido e, seja comédia, drama ou terror, no final rimos por não acreditarmos no que fizemos e pelas memórias de aquela cena tão séria ter sido conseguida após vários momentos de pura parvoíce.

 American Movie não é sobre esse encosto de alegria mas sobre a frustração de lutar por um sonho. E é mesmo uma luta por um sonho, o próprio Mark Borchardt considera filmar como o [seu] Sonho Americano dando toda a sua luta como um exemplo disso. Devido à falta de financiamento, Mark não consegue fazer o filme Northwestern e por isso decide então acabar o que começou há 2 anos, Coven e com o lucro que espera obter, poder então realizar o outro filme. É graças à ajuda dos seus familiares e amigos que ele faz o seu pequeno opus mas é também a família e amigos que lhe trazem outros problemas.

 O seu tio Bill é quem lhe financia com, se não estou em erro, 3 000$. Mark convence-o a emprestar-lhe o dinheiro explicando o quão forte é a sua visão e que é dinheiro bem empregue (nunca se sente que Mark o está a enganar, ele está mesmo confiante em relação ao filme mas precisa da ajuda) mas mesmo antes de aceitar já está o Tio Bill a dizer que aquele projecto é uma nódoa e que é o mesmo que dar o dinheiro ao lixo pois não o vai reaver. É incrível como ninguém ali trabalha em cinema e no entanto sabem tão bem que fazer um filme raramente dá lucro. Ainda assim, empresta-lhe o dinheiro e até participa. Num dos momentos mais hilariantes do filme, quando Mark está a captar a cena do Tio, este já ao fim de tanto take volta a falar mal. Esta cena, bem como tantas outras, é fascinante para mostrar a todos como é preciso ter paciência e dedicação para filmar. Certo, Bill já tem óbvias dificuldades pela idade mas tanto tempo e trabalho só para ser dita uma frase continua a ser um atormento habitual em qualquer produção. Podem achar que Mark está a ser meio arrogante mas é o normal, é aquela procura do take perfeito entre tantos que só na cabeça dele faz sentido. E mesmo após tanta procura não conseguiu o que realmente queria e terá de remediar com o que tem. Noutros casos, o take corre logo bem à primeira e Mark acha que até foi melhor do que tinha pedido.



 As cenas com o Tio Bill são de grande comédia mas também conseguem ser de um drama tocante. Torna-se depressa nas nossas "personagens" favoritas e vemos que Mark estima-o muito. Infelizmente, pela altura em que American Movie estreou já Bill Borchardt tinha falecido mas as suas falas serão para sempre memoráveis!


Falemos agora sobre Mark. O homem que mais vezes diz a palavra man em toda a história da existência deste mundo!




 Além de um realizador que se preze tomar um visual que diga à sociedade "vai-te lixar que não tenho tempo para o meu aspecto, tenho que pensar"...:

Pessoalmente, já só me falta deixar crescer o cabelo e tou igual.
... um excelente realizador tem de ser também a pessoa com os comportamentos mais bizarros diante de todos de forma a finalmente tornar claro o que pretende, mesmo que para isso tenha de agir como um imbecil. Na indústria, nós chamamos a isso de "Profissionalismo".



 Mark sabe exactamente o que quer, onde procurar e normalmente tem tudo planeado de forma ordeira e com antecedência. Mas nem sempre lhe facilitam a vida, há sempre pequenos ou grandes imprevistos que atrasam o projecto e fazem a produção acelerar cada vez mais resultando em dias caóticos. A sua vida pessoal é atormentada por alcoolismo, dívidas até ao tecto e conflitos familiares incluindo o divórcio da mãe dos seus três filhos que, felizmente, ainda consegue passar tempo com eles e há até uma cena em que eles dormem com ele na sala de montagem quando está a trabalhar a fita do filme já feito. Por alguma razão, só o cinema é que lhe faz sentido. É onde pode descarregar, ser e fazer o que realmente quer fugindo de tudo por uns tempos e trocando os seus problemas por outras dores de cabeça. Ou então isto sou eu a descrever-me.

 Toda essa experiência faz de Mark um surpreendente filósofo. Nem sempre tudo o que ele diz pode fazer sentido mas fala sempre honestamente sobre o quão generosa ou severa pode ser a vida.  Sejam em monólogos ou a conversar com o seu fiel amigo Mike Schank, em muito vem daí a outra temática do filme, o comentário social que não está necessariamente ligado a cinema. Há uma cena em que Mark fala sobre o seu trabalho, quando chegou a ter uma tarefa de, literalmente, merda. Não passa o tempo a criticar o baixo salário ou as más condições, em vez disso conta-nos que simplesmente parou para pensar profundamente que daqui a pouco vai ter que apanhar a merda de alguém. Eu juro que era capaz de passar um dia inteiro a ouvi-lo pois consegue fazer de qualquer tema interessante. Deixo um exemplo abaixo de uma cena cortada em que falando sobre algo tão banal consegue fazer uma filosofia de vida:



 Este documentário de Chris Smith revela a verdadeira força do cinema mais independente que há e embora na grande maioria dos casos sejam filmes severamente limitados ao orçamento, localizações, actores, etc., são os filmes que paixão têm por trás. Aqui não há homens de gravata a apontarem o dedo para a conversão em 3D à última da hora nem a apertarem o pescoço para fazer mais duas sequelas onde o segundo filme é uma cópia do primeiro e o terceiro tenta algo novo e falha miseravelmente por partir para a comédia não intencional. Aqui um filme só é limitado pela quantidade de suor que estivermos dispostos a deitar para fora. Seja abstracto, pretensioso ou meramente parvo, são sempre marcas de uma luta difícil mas, no final, conseguida.

 Eu falei sobre algumas das melhores cenas mas acreditem que há muito mais que ficaram por contar. Ou melhor, ficaram para vocês verem. Falas como "(...) kick-fuckin'-ass, life is kinda cool sometimes!" ; "(...) that's senseless! But that's what happens man!" e "This is for the birds!" deviam estar entre as mais reconhecidas pela academia. Sabem, aquelas frases que aparecem sempre nas introduções dos programas televisivos de cinema... aí, no meio dessas! Trata disso Mário Augusto! Mas para alguns essas frases estão. Este filme tem o seu culto seguidor e Mark lá conseguiu algumas aparições em outros filmes, incluindo até um cameo num episódio do Family Guy mas ao que parece aceleraram as vozes. Meter o Mike a falar depressa é como dar voz ao Tom e ao Jerry, isso simplesmente não se faz.

 Este filme diz-me tanto por eu saber como é muito do stress de fazer a porcaria de um filme (e estou só no principio, deixem-me só começar a fazer filmes mais a sério para eu ver o que é doce) mas também é verdade que eu tenho as facilidades da era digital, do computador, da internet, do Cine31. Na altura, Mark não tinha nada disso. Fazer filmes era ainda mais caro e muito mais complicado. Mas vejo também ali semi-retratos da minha vida: a mãe do Mark que é como a minha mãe que me apoia em tudo, o Tio Bill que lembra-me o meu avô que, se fosse vivo, iria certamente me apoiar sendo que também ele filmava, pedir aos meus amigos para aguentarem horas de cansaço a fazer figuras tristes só porque eu preciso de fazer sabe-se lá o quê com aquilo e os filhos do Mark são como eu ir visitar os empregos dos meus pais e ver como se monta as fitas entre outras chatices antes do filme chegar ao centro comercial e a senhora ter de limpar as pipocas que os adolescentes deixaram cair e em vez de chorarem pelo desperdício de 45€ por pipocas com uma semana, desmancham-se a rir.

 Eu recomendo American Movie a quem gosta de cinema. Eu peço desculpa pela estupidez da frase anterior mas depois percebem. É bom para quem quer imaginar a trabalheira que é fazer algo que ninguém vai gostar no final e é especialmente bom para quem também trabalha nisto seja profissionalmente ou a nível amador como eu pois ensina-nos de novo as raízes importantes que por vezes esquecemos. Mostra o lado feio do cinema, que embora qualquer um possa fazer um filme são muito poucos os que irão conseguir ter sucesso. Mas mostra também o lado da esperança, mesmo que Mark não tenha as melhores capacidades e que o mundo lhe caia constantemente em cima, há sempre algo de bom a acontecer de momento a momento e são as pequenas coisas que não o deixam desistir, tem um filme para acabar! Sem dúvida o meu documentário favorito e está em 24390728975º no meu Top de filmes preferidos! Vejam e oxalá inspire mais alguém como me inspirou a mim.




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