Semanas atrás lia graphic novel – a BD, ou como lhe queiram rotular – na qual este filme está baseado. Não sei se foi o mais acertado, ou não, mas uma coisa é certa, este não era o filme de que estava á espera. Não é pior, nem melhor. É diferente. Chamem-lhe reimaginação, releitura, ou que seja; é uma visão, uma interpretação dos textos e desenhos originais, e como tal poderia ter dado origem a uma infinidade de versões, uma infinidade de diversidade, como os seres humanos são. Essencialmente este filme dá-nos um vislumbre, uma espreitadela pelas cortinas do palco humano, de que talvez seja possível viver e conviver com todas as diferenças. E do pode acontecer quando nos decidimos a fazer frente a quem nos nega os mais básicos direitos conquistado por aqueles que vieram antes de nós. E então, tal como eles, talvez sejamos impelidos a recorrer à força – das ideias, das armas, das palavras – para recuperar a capacidade de fazer as nossas próprias escolhas pessoais.
Será esta uma película que faz a apologia das bombas, do terror, da anarquia? Decididamente não. Apenas nos coloca a questão do que seríamos, ou não, capazes de sacrificar para tentar atingir um mundo que acreditamos ser melhor e mais livre. Mais que um filme de acção imparável – como o trailer parecia anunciar, para atrair publico ás salas – é um confronto de ideias, que ambiciona – sem ser pretensioso – que o espectador se interrogue, sem lhe fornecer respostas prontas a digerir. Não é um filme perfeito, foram tomadas algumas decisões de realização que ocasionalmente prejudica o ritmo, mas no final, na apoteótica conclusão, no momento em que o povo se rebela – primeiro através de distúrbios e mais tarde pela resistência pacifica – contra as ameaças e injustiças de um governo decadente forçado pelos planos engenhosos de “V” a revelar a sua verdadeira natureza, quando desafiam as forças das armas, quando estas mesmas forças armadas têm a hipótese de decidir se massacram civis armados, nesse instante – o mais belo e emocionante do filme – somos nós que também lá estamos, sem medo, só com ilusões de esperança, a assistir à derrocada dos símbolos e instrumentos da corrupção, do medo e da opressão. Salve as devidas diferenças, uma revolução quase sem sangue, um pouco como o “nosso” 25 de Abril, que me permitiu o direito de escrever estas mesmas palavras.
“Remember, remember the fith of November, the Gunpowder Treason and Plot. I Know of no reason why the Gunpowder Treason should ever be forgot.”
“V de Vingança” (“V for Vendetta” ) tem inicio com uma curta introdução à pessoa de Guy Fawkes (e paralelamente a identificação de “V” com este símbolo) o católico que no Século XVII tentou explodir as Câmaras do Parlamento, mas que fracassou sendo capturado e enforcado, um fracasso ainda comemorado anualmente na Grã-Bretanha e ao qual os versos no parágrafo anterior fazem menção.
Passamos ao presente, isto é, a um futuro próximo (diferente da ambientação da BD nos escuros anos 80 de Margareth Tatcher e mais próximo ao nosso presente ao nível de tecnologias de comunicação) dominado por um governo autoritário de cores fascistas, que num passado recente foi responsável pelo desaparecimento de milhares de negros, muçulmanos, homossexuais e outros grupos que não estão de acordo com o catálogo da nova ordem empossada pelo medo da população. Num paralelo inquietante com as acusações – no nosso mundo – de que os EUA permitiram os ataques ao World Trade Center; este governo dominado pelo partido conservador e ultranacionalista Norsfire, fortaleceu o seu poder atacando o seu próprio povo, matando quase 100 mil pessoas, incriminando um grupo de extremistas, que rapidamente confessaram e foram executados.
A jovem Evey Hammond (na BD prostituta, no filme estafeta da estação de TV do Estado) ao sair depois da hora do recolher obrigatório é apanhada num beco escuro por um grupo de Fingermen – rufias a quem as autoridades dão armas e distintivos com o objectivo de aumentar o controlo policial. Porém antes de poderem consumar a violação, uma figura mascarada de Guy Fawkes e modos teatrais surge das sombras e confronta as forças da autoridade para salvar a jovem. Cortesmente, convida-a a assistir noa telhaod a um espectáculo como nunca viu. A explosiva destruição dos tribunais de Old Bailey ao som da “1812 Overture” de Tchaikovsky, em comemoração do 5 de Novembro, a data do fracassado ataque que caiu no esquecimento. Esta é mais uma das alterações da adaptação da BD para o ecrán; no inicio “V” destruía as Câmaras do Parlamento, depois Old Baylei, mais tarde os edifícios dos meios de comunicação, propaganda e vigilância, e no grand finale um metro cheio de explosivos directamente por baixo de Downing Street. Além disso, várias personagens e situações foram eliminadas ou fundidas para simplificar e reduzir o enredo.
Em seguida, “V” infiltra-se na Torre Jordan, sede da Televisão e sob ameaça de um colete de explosivos envergado pelo próprio, força uma emissão para todos os televisores, para ter uma “conversa em família” na qual lembra ao povo as suas responsabilidades e marcando para dai a um ano a queda do regime. Ao ser salvo da captura por Evey, “V” recolhe-a e torna-a sua protegida em reclusão na sua casa-museu subterrânea. Entretanto “V” continua a sua onda de assassinatos de membros importantes do Partido – e com ligações ao seu passado como vitima num campo de concentração onde foi monstruosamente modificado – indivíduos como Lewis Prothero – “a Voz de Londres”, o narcisista rosto da propaganda populista e demagoga do governo liderado pelo Alto Chanceler (uma personagem diferente do Líder da BD – um homem solitário que apenas amava o computador “Fate”, a maior criação do regime – e que aqui é mais agressivo, mais “hitleriano”); um bispo pedófilo (“hora infantil na abadia” como se referem os funcionários responsáveis pelas escutas de vigilância, quando era altura de o bispo se divertir) e a médica responsável pelas experiências que transformaram “V” num ser superior e vingativo. Entretanto “V” tenta que Evey se aperceba da justeza do seu trabalho e a própria deseja ajudá-lo, mas apenas como forma de escapar do cativeiro. Enquanto “V” elimina o bispo Evey busca refúgio na casa de Gordon, um homem mais velho com o qual vive durante uns tempos até ele ser capturado pelas autoridades comandadas por Creedy, após ridicularizar o Chanceler no seu programa de TV – uma sequência verdadeiramente hilariante que tem consequências terríveis. Também Evey é apanhada, aprisionada e torturada com o objectivo de que denuncie o paradeiro ou identidade de “V”. Mas na prisão vai conhecer a história de Valeria – uma das muitas pessoas eliminadas pelo Norsfire pelo crime de serem diferentes – o que lhe dará força para continuar a viver e resistir aos interrogatórios. Finalmente é libertada e meses depois procura “V”, que lhe apresenta as peças finais dos seus planos, a vingança de 20 anos. E deixa a Evey a escolha de completar o puzzle, a hipótese de continuar com tudo – a destruição das Câmaras do Parlamento – enquanto “V” parte para aniquilar o líder da nação e o seu provável sucessor.
Fiquei surpreendido com as imagens violentas do campo de concentração, o modo como filmaram os corpos das vitimas, um eco dos campos de concentração nazis, e no entanto esperava uma tortura mais violenta para Evey. No campo das personagens, algumas mudanças importantes, Finch continua obcecado em descobrir “V”, mas é mais acessível e mais ambíguo. Creedy foi promovido a conspirador para desbancar o Chanceler. No filme Evey foi mais difícil de converter á causa de “V”, a história de Valeria ficou muito semelhante ao original, e embora a apresentação de “V” aos espectadores resulta numa teatralidade talvez um pouco excessiva, também se pode considerar que representa o espírito da personagem, que preparou bem a população para a transição, e de modo a não se incluir a si próprio no futuro da Inglaterra libertada.
O trabalho dos actores foi exemplar, começando com Hugo Weaving a escolha ideal para um papel determinado pela voz, uma Natalie Portman sofredora mas forte e um conjunto de actores credíveis e competentes. Como disse antes, não é perfeito, mas é um bom filme, e saímos do cinema mais impressionados com as questões que levanta do que com os bons efeitos especiais.
ehhhh lá. já parece uma das minhas críticas devido ao tamanho !:P...
Gostei muito, é um bom filme.
Continuação*
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:-D esta critica é do tempo que escrevia mais do que agora LOL realmente, aqui alonguei-me demais