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“Play time” e “Espelho da Alma”
E uma semana depois da abertura o Cinalgarve voltou a acolher o 1º Ciclo de Cinema Olhão ’05 e os que a ele acorreram, embora - comparando com a noite de estreia - se registasse uma menor afluência de público. Julgo, que posso apontar ainda que o escalão etário dos espectadores foi superior ao dos que vieram anteriormente ver um filme-choque como “Cidade de Deus”. Tal facto pode-se provavelmente explicar pelo menor apelo mediático do filme principal da noite: “Play Time”, que apesar de ser um dos nomes clássicos incontornáveis de uma época e de ainda estar actual, não é um titulo que se encontre nas estantes de um clube de vídeo (se alguém conhece algum clube de vídeo com este titulo na sua colecção que me perdoe pela minha ignorância).
Num reflexo da sessão anterior, primeiro foi exibida a curta “Espelho da alma” e depois “Play time”, ambas precedidas de algumas palavras de esclarecimento, que considero serem experiências enriquecedoras. O primeiro dos convidados a tomar a palavra foi o realizador Jaime Ribeiro. Este, não tentou fazer um resumo ou descrição do conteúdo da sua obra, argumentando (tal como fizera no programa impresso distribuído à assistência) que “ (…) falar sobre este filme tende para uma atitude retórica que não me agrada.” e deixando ao público a função de tirar as suas próprias conclusões e disponibilizando-se para responder a perguntas depois da projecção. Falou ainda que o facto de o filme não possuir som foi uma escolha artística deliberada, assim como o suporte escolhido, os 16 mm. Como referiu, não tem som mas não é um filme mudo, estabelecendo um paralelo com a película de Jacques Tati ao considerá-la em parte um filme mudo mas com som. Além disso, a imagem é acompanhada, segundo o autor, pelos sons do projector e do próprio público. O projector no fundo da sala junto às últimas filas é ligado e nasce o movimento. De um ponto de vista técnico, “Espelho da Alma” é uma sucessão de olhares durante nove minutos. Olhares que começam por ser de crianças muito jovens e que vão envelhecendo gradualmente (segundo o autor, o primeiro olhar tem cerca de 1 ano de idade e o último 80 anos). O ecran está formatado de modo a que, se dividirmos o ecran horizontalmente em três partes, apenas a faixa central apresenta imagem (efeito conseguido com um tubo e uma cartolina recortada nessa forma, colocados defronte da câmara), a imagem de muitos olhares, cerca de 100, que são diferentes entre si, mas semelhantes, talvez alguns repetidos. É uma experiência difícil, na medida em que pede ao espectador concentração que tenta encontrar, inutilmente, algum fio narrativo além do óbvio progressivo envelhecimento dos olhares. A sensação que esta experiência cinematográfica me deixou é que houve uma inversão de papéis, o espectador que vê estava a ser visto (mais tarde Jaime Ribeiro referiu que num festival na Suécia onde a sua obra foi projectada, o definiram como um filme no qual o filme é que vê o espectador), mais do que ver e tentar descobrir alguns dos sentimentos nos poucos segundos de cada cena (durante a sessão de perguntas uma espectadora referiu o facto de ter conseguido identificar sentimentos como ódio e tristeza).
Depois do projector ser desligado, seguiu-se a sessão de questões sobre o filme de Jaime Ribeiro, que gerou diferentes reacções no público, um feedback interessante. Não existe ninguém tão directo como uma criança e a primeira questão vinda de um jovem causou muitos sorrisos mas julgo que concretizou os pensamentos de muitos dos espectadores: “Isto é um filme?”. O autor habilmente deixou a resposta final a essa questão, e de outras semelhantes colocadas em seguida, a cada um de nós, evitando filtrar o ponto de vista do espectador.
Como curiosidade, de referir ainda que realizador revelou que a cada cena foi acrescentando mais um frame do que na cena anterior, resultando em cenas progressivamente mais longas, tal como a idade dos “actores”intervenientes, que não foram dirigidos, nem iluminados, nem houve o propósito de criar diferentes sentimentos e impressões.
Uma experiência cinematográfica diferente e corajosa, que encontra precisamente a suas maiores forças e fraquezas nessa experimentalidade.
Com o tempo mais apertado, a convidada seguinte, Ana Soares veio, num tom mais informal, providenciar alguns esclarecimentos e pistas para melhor apreciar uma das obras de e com Jacques Tati: “Play Time”. Nesta película, as acções e movimentos das personagens são extremamente condicionados pelos cenários e pela disposição dos elementos, que vão evoluindo desde a rigidez inicial para a curvatura final (como referido por Ana Soares), representada na “rotunda-carrossel”. Este filme é uma comédia com momentos extraordinários, visualmente belos.
Um ponto brilhante é quando verificamos que os cartazes de destinos turísticos são todos cópias, todos têm aqueles prédios modernos sintoma da globalização e uniformização estética e social que continua a tomar forma nos nossos dias. Hilariante é o facto de apesar da acção do filme se passar em Paris os únicos vislumbres dos mundialmente famosos monumentos, a Torre Eiffel por exemplo, acontecerem apenas em ocasionais reflexos nas portas envidraçadas que povoam o filme e rendem muitos momentos divertidos. E toda a sequência no restaurante um caos organizado. De referir ainda o uso extraordinário que Tati fez do som durante todo o filme, além da bela fotografia.

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